Espaço expositivo na Oca. Foto © Rafa D’Andrea
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https://www.archdaily.com.br/br/1034603/bienal-de-arquitetura-de-sao-paulo-aponta-futuros-possiveis-para-um-planeta-em-crise
Em várias regiões do planeta, o termômetro já ultrapassa os cinquenta graus, enquanto em outras áreas as águas sobem de forma alarmante. Nesse cenário crítico, São Paulo se torna um ponto de encontro para arquitetos, pesquisadores, artistas e comunidades que se indagam: como podemos habitar nosso planeta em tempos de adversidade? Esse é o cerne da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, que ocupa a Oca do Ibirapuera e se dedica ao tema Extremos: Arquiteturas para um Mundo Quente. Mais do que uma simples exposição, essa bienal serve como um apelo para confrontar a crise climática, as desigualdades sociais e a vital necessidade de reinvenção das formas de viver.
Diferentemente de edições anteriores, que se espalhavam por vários pontos da cidade, os curadores Clevio Rabelo, Jera Guarani, Karina de Souza, Marcella Arruda, Marcos Certo e Renato Anelli decidiram reunir as atividades deste ano sob um único teto, facilitando uma narrativa curatorial clara e coesa. O percurso é estruturado em seções que intercalam práticas tradicionais com tecnologias contemporâneas, experimentações materiais e reflexões críticas, além de projetos locais e debates globais. Assim, a Oca se transforma em uma encruzilhada, sobrepondo diversas visões arquitetônicas e oferecendo uma plataforma para reflexões coletivas sobre meio ambiente e sociedade.
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As nove seções principais que organizam a mostra funcionam como capítulos de uma narrativa única, cada uma explorando o presente e o futuro. Visões de Futuro apresenta alternativas diante da crise climática; Reflorestar o Urbano examina maneiras de reconectar as cidades com seus ecossistemas; Saber Fazer Com destaca conhecimentos tradicionais; Construir Verde revisita materiais e processos construtivos; Reduzir Desigualdades busca soluções espaciais para tensões sociais; Circular Juntos debate fluxos de materiais e a economia circular; Recuperar Enquanto Há Tempo reflete sobre retrofit e adaptação; Partimos das Águas enfatiza a relação entre sociedade e recursos hídricos; e Ficaremos Aqui reúne estruturas construídas com técnicas de baixo impacto.
Instalação OCO, realizada pelo Cambará Instituto. Foto © Rafa D’Andrea
Essas seções vão além de temáticas isoladas, integrando pesquisa, prática e imaginação, abrangendo escalas que variam do território indígena à grande metrópole, do corpo humano a redes globais. Elas evidenciam que lidar com os extremos implica reconhecer interdependências — entre meio ambiente e urbanização, legado ancestral e inovação, tradição e futuro digital.
Paisagens e ecologias urbanas
Em todas as seções, especialmente em Reflorestar o Urbano, o verde é considerado uma infraestrutura essencial, capaz de mitigar o efeito das ilhas de calor, regenerar solos empobrecidos e reconectar a cidade aos ciclos naturais. A proposta de Cidade-Esponja / Planeta-Esponja, do paisagista chinês Kongjian Yu, ilustra esta visão ao mostrar como a natureza pode auxiliar a engenharia no enfrentamento de inundações e secas, aumentando a resiliência das cidades em face da crise climática.
Conceito de Cidade-Esponja aplicado no projeto Benjakitti Forest, por Turenscape + Arsomslip Community and Environmental Architect. Imagem © Srirath Somsawat
No contexto brasileiro, essa agenda se traduz em iniciativas significativas. O Parque Ecológico do Tietê, projetado na década de 1970 por Ruy Ohtake, Aziz Ab’Sáber e equipe, representa um marco ao substituir a lógica de canalizações e vias expressas por uma infraestrutura ambiental contínua, promovendo controle de cheias, recuperação de matas ciliares e espaços públicos. Em São Carlos, três projetos de revitalização de cursos d’água e a recuperação de córregos demonstram como a restauração de matas ciliares e a valorização de nascentes podem reverter processos de degradação urbana. Exemplos como esses ressaltam a importância de políticas de longo prazo, capazes de transformar tanto o espaço urbano quanto a qualidade de vida das pessoas.
Arquiteturas e saberes tradicionais
A instalação OCO, desenvolvida pelo Cambará Instituto — uma plataforma liderada por Gabriela de Matos, Audrey Carolini, Kaisa Santos, Sheroll Martins e Vilma Patrícia —, em colaboração com o mestre bambuzeiro Lúcio Ventania, homenageia a ancestralidade afro-brasileira e o trabalho colaborativo. A estrutura, resultante de uma residência imersiva, conteve a participação de dez arquitetas negras de várias partes do Brasil, que trabalharam no ciclo completo do bambu — desde o corte até a montagem —, criando uma obra de seis metros de altura, adornada com milhares de contas confeccionadas por mulheres em situação de vulnerabilidade. O resultado destaca a força tecnológica, cultural e espiritual da arquitetura afro-brasileira.
Instalação OCO, realizada pelo Cambará Instituto. Foto © Pedro Urano
Na mesma linha de valorização dos saberes ancestrais, o grupo Casa Floresta documenta técnicas construtivas dos povos Guarani, Yudjá e Kamayurá, transformando-as em manuais de transmissão comunitária. E em um diálogo cultural, o filme Y, Yvyrupa, de Richard Wera Mirim e Paulo Tavares, junto com a cartografia Nhandereko: onde nossa cultura vive, fruto do projeto Arquiteturas da Reparação: SP Terra Indígena, abordam o território Guarani do Jaraguá, enfatizando sua dimensão espiritual, política e ecológica. O projeto Águas Sagradas, do coletivo Urbz em Bombaim, revela como comunidades indígenas urbanas na Índia reinterpretam o ciclo da água como uma prática cultural e de sobrevivência.
Maquete de arquitetura indígena desenvolvida pelo Grupo Casa Floresta. Foto © Rafa D’Andrea
Experimentações materiais e técnicas
A edição deste ano se apresenta como um verdadeiro laboratório de materiais, integrando desde soluções experimentais até revisitações de técnicas tradicionais. O Módulo Tecnoíndia, de José Afonso Botura Portocarrero, combina sistemas modulares à sabedoria das casas indígenas, enquanto os Blocos leves em taipa de pilão, de Arquipélago + Alain Briatte Mantchev, propõem um caminho sustentável para a pré-fabricação, utilizando terra e palha em componentes de baixo impacto. O Miriti, um material amazônico trazido pela Guá arquitetura, se revela uma tecnologia social e uma matéria-prima inovadora, enquanto a instalação A Trama do Tempo, apresentada pelo AzulPitanga, explora fibras de bananeira entrelaçadas, resultando em um trabalho artesanal que dialoga com processos industriais.
Módulo Tecnoíndia, de José Afonso Botura Portocarrero. Foto © Rafa D’AndreaA Trama do Tempo, AzulPitanga. Foto © Pedro Urano
O projeto Ecosapiens, desenvolvido por Marta Levy, Felipe Pinheiro e Denise Covassin, propõe o uso do cânhamo como um material de construção que captura carbono, enquanto Terra, do grupo CRAterre, demonstra a versatilidade de um dos materiais construtivos mais antigos do mundo, redefinido por novas abordagens. Exemplos acadêmicos, como Carmodésica, Protótipo PI e Domo Pompéia, orientados pelos professores Marcelo Aflalo, Marcelo Novaes Coelho Jr. e Mônica Aprilanti, mostram como a pesquisa em madeira pode resultar em estruturas flexíveis, desmontáveis e que se adaptam a diferentes contextos.
Terra, CRAterre. Foto © Pedro UranoTerra, CRAterre. Foto © Romullo Baratto
Com foco na circularidade e biomateriais, o Lab Biodesign explora a biodiversidade brasileira, combinando ciência e conhecimentos culturais para apresentar alternativas de baixo carbono. Sob a coordenação de Graziela Nivoloni, do Istituto Europeo di Design, a equipe propõe uma exposição e uma série de workshops na Bienal.
Lab Biodesign, Istituto Europeo di Design. Foto © Romullo Baratto
Estruturas emergenciais e coletivas
O aumento das temperaturas globais, abordado pelo projeto curatorial, demanda arquiteturas voltadas para desastres e situações emergenciais. O Comedor Emergencial, desenvolvido pelo escritório sauermartins em resposta às enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, vai além do temporário: transforma-se em um espaço de convivência comunitária, capaz de deixar um legado duradouro. Com cobertura em madeira e uma longa mesa coletiva, o projeto sintetiza rapidez construtiva com acolhimento social. Já a Casa Tubos de Papel, inspirada na experiência do arquiteto japonês Shigeru Ban, utiliza um material acessível e reciclável para criar abrigos temporários que podem ser rapidamente montados em situações críticas. Ambas as propostas reforçam a noção de que a arquitetura pode responder eficazmente às emergências, sem abrir mão da dignidade e da sustentabilidade.
Comedor Emergencial, por sauermartins. Foto © Romullo BarattoCasa Tubos de Papel, de Shigeru Ban. Foto © Pedro Urano
Infraestruturas urbanas e reuso
Em uma abordagem de adaptação e retrofit, a seção Recuperar Enquanto Há Tempo apresenta exemplos de atualizações de edifícios e infraestruturas. Em um diálogo enriquecedor, o projeto de requalificação e reuso do Módulo Iansã, um edifício construído por João Filgueiras Lima em 1988 com pré-fabricados leves de argamassa armada, ilustra como o uso racional de recursos pode propiciar a reabilitação de estruturas danificadas. O projeto é destacado no primeiro pavimento da Oca e acompanhado pelas formas metálicas desenhadas por Lelé para a cobertura de sheds. Em contrapartida internacional, o projeto Tank Shanghai, do escritório chinês OPEN Architecture, amplia a discussão sobre como espaços culturais podem emergir da paisagem e de infraestruturas em desuso.
Tank Shanghai, por OPEN Architecture. Foto © Fangfang TianFôrmas do Módulo Iansã, de Lelé. Foto © Pedro Urano
O futuro é aqui
Com uma narrativa abrangente e ambiciosa, que parte de exemplos históricos e se desdobra em direções plurais em busca de futuros alternativos, a bienal se configura como um atlas de possibilidades, onde saberes ancestrais e inovações tecnológicas coexistem e se complementam para responder aos desafios climáticos e sociais.
Do uso de cânhamo e concreto a estruturas inovadoras e reformas modestas, da terra a biomateriais: a constelação de projetos e pesquisas sob o teto da Oca revela um repertório de arquiteturas que vão além da mera edificação, reimaginando modos de vida. Se alguns almejam alternativas em Marte, a 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo insiste em nos recordar: o futuro é aqui, e a Terra é nosso verdadeiro lar.
Seção “Ficaremos Aqui”. Foto © Pedro Urano
A 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo é promovida pelo IABsp e ficará em exibição até o dia 19 de outubro na Oca do Ibirapuera. Além da mostra principal, a programação inclui palestras, eventos e uma mostra de cinema. Para mais informações, visite o site da Bienal.
